domingo, 3 de outubro de 2010

de pé

As medidas anunciadas pelo governo PS são tremendas. É inevitável agora que a contestação social cresça de tom. De todos os sectores surgem as mais variadas reacções. Para quem o vê do lado de fora, é notório que se respira mesmo dentro do partido socialista um desânimo capaz de derrubar, não apenas todos quantos se mostraram críticos da acção do governo, mas mesmo os mais indefectíveis. Não é exagero nenhum sentir que no partido socialista se contam os dias até que saia do poder. Fora do partido, o dilema é, porém, bem mais grave. Se, dentro do partido socialista, muitos continuam, agora mais do que nunca, a desejar contribuir para recentrar a matriz liberal, social, republicana e laica, no âmago do seu ideário, fora dele o indivíduo de esquerda está de cabeça perdida.

  

Em primeiro lugar, sabe que os partidos à direita não são opção. Reflectem o avanço das teias mecanicistas e tecnocráticas em que um certo PS se deixou enredar. Sabem que estas medidas, duras e cegas, foram tomadas há mais tempo por governos de direita, por essa Europa fora. A única coisa de que se acusa este governo é de ter deixado chegar as coisas a este estado – coisa de que, manifestamente, só por insciência é que se pode supor não chegaria a Portugal – e por não ter tomado medidas mais cedo. Ninguém o negará: caso fosse outro o partido no poder, a austeridade teria chegado bem mais cedo, e sempre, como não se cansam de repetir os inefáveis líderes da direita, sempre do lado da despesa. Traduzindo – a direita já há muito tempo tinha avançado com a redução de salários da função pública e cortes nos subsídios de Natal e Férias.

  

Não é aceitável dizer-se que os portugueses não podem pagar mais impostos e exigir-lhes cortes brutais nos seus salários, como pretende, de há muito, a direita. O que o PS fez até agora foi adiar esta medida até onde conseguiu. Uma medida que, estou em crer, lhe custará o poder. Não foi coragem, como muitos ainda procuram arengar. Foi, isso sim, inevitável.

  

Uma coisa é certa. É por demais, óbvio que os economistas são os técnicos em que menos se pode crer, actualmente. Temos prognósticos em todas as direcções. Até temos o mais célebre que os acha possíveis só no fim do jogo. Depois temos a restante esquerda, que está a ter o seu field day. Sem quaisquer posições funcionais que permitam diminuir o desemprego e recuperar a economia. Excelentes, surpreendentes mesmo, em matéria criatividade reivindicativa: convocar uma greve geral e evangelizar um utilíssimo “I told you so”. Tirar dinheiro aos mais ricos e, ao mesmo tempo, atrair o investimento, sem esquecer uma exemplar, histórica e patriótica incidência de impostos sobre a banca, que nos tirasse da crise amanhã por volta das nove.

 

Parece-me tudo muito eficaz e congruente. Sobretudo numa época em que os capitalistas têm o mundo inteiro para escolher onde possam instalar os seus interesses. E Portugal é mesmo um dos locais mais apetecíveis, não haja dúvida, para a banca. Estamos mesmo em posição de chantagear a mesmíssima banca que todos os dias nos chantageia a nós, inflaccionando os juros da nossa dívida, tornando-a virtualmente impagável. Atrair investidores para um país que não produz o suficiente para pagar as suas contas e as suas dívidas, parece-me uma esclarecida estratégia para a ruína. É profundamente irresponsável , sobretudo, inútil, a posição assumida pelos partidos à esquerda do PS. É uma espécie de capitalismo contra os capitalistas. Ver os partidos de esquerda em redor desta espécie de neo-NEP, leniniana, estratégica e contraditória deixa-nos a todos sem vontade de tentar sequer perceber para onde nos poderiam levar tais deslumbramentos.

 

Muito pragmaticamente, é numa matriz socialista que temos de encontrar uma via moderada, equilibrada, eficiente, para o futuro de Portugal. E isso faz-se através do exercício de uma cidadania activa e solícita para intervir. Uma intervenção dinâmica e não sentada atrás de conversas de café, jornais, emails ou blogs como este. É preciso participar na renovação das práticas e na renovação das lutas cívicas. É imensa a quantidade de gente de valor que neste momento se encontra ocupadíssima a não fazer nada, a não ser essa espécie de turismo político por onde tudo se condena, desde que esteja assegurada a condição indispensável de se poder continuar a estar sentadinho, continuar a não estar comprometido com coisa nenhuma. Muitas destas pessoas são alguns dos meus melhores amigos. Chamam a isso desânimo com a política, como se estivessem convencidos de que possa haver vida sem política. E sei que não estão. Que o desemprego se reduza sem política. E sabem que não reduz. Que possa haver política sem políticos. E sabem que não pode. Que possa haver desenvolvimento sem política. E sabem que não há. Tudo um absurdo de conveniência e comodismo. Investir na participação activa, independente ou militante, em movimentos políticos, trabalhadores, de cidadania funcional, em cada cidade, em cada freguesia, em cada campanha eleitoral, de forma a retomarmos a matriz liberal e social do socialismo democrático, é esta a única via actualmente credível. “Não tenho vida para isso” é a frase certa para que, dentro de pouco tempo, ninguém tenha é vida nenhuma.

 

Os inumeráveis e clamorosos insucessos deste governo, nomeadamente em matéria de justiça, educação e cultura, são a prova acabada de que há quase tudo, mais uma vez, por fazer. E dá trabalho. Mas de quem? Quem? Os outros. Baixar os braços perante os alumbramentos neoliberais, os excessos extremistas e a inércia cívica, juntando-nos à multidão dos nauseados com a política, cujo nojo infértil activamente contribui para que tudo o que condenamos possa progredir o seu caminho, tranquilamente, não é aceitável num cidadão inteligente. Muito menos o esperar que venha uma revolta. Um novo paradigma. Um novo… coiso. Uma nova redenção. Um novo… coiso. Que deite isto tudo abaixo para… Ridículo. É preciso o compromisso. Sair de casa. Lutar por um socialismo democrático. Como sempre. Como antigamente outros por nós o fizeram. É preciso, como antigamente, compreender o prime da confiança e o sub-prime de a devolver aos muitos milhares que hoje julgam mesmo que isso da esperança é coisa de ricos.

 

De pé.

De pé, pois.

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